Desde que a pandemia causada pelo novo coronavírus começou, muitos trabalhadores passaram a se perguntar o que aconteceria caso alguém da empresa pegasse a doença. A covid-19 seria considerada doença ocupacional ou acidente de trabalho, teria afastamento pelo INSS ou cada cabeça é uma sentença? Essas dúvidas foram debatidas por estudiosos, autoridades, leigos, empresários, trabalhadores e tantos outros indivíduos envolvidos no processo, que nenhuma resposta se tornou definitiva prontamente.
Como modo de tentar evitar o contágio, as empresas se reinventaram e se adaptaram ao contexto que o mundo todo estava vivenciando. Um exemplo é o teletrabalho, uma modalidade praticamente indispensável, salvo para profissionais de atividades essenciais que precisavam comparecer presencialmente. Dados coletados em abril para a elaboração da Pesquisa Gestão de Pessoas na Crise Covid-19, da Fundação Instituto de Administração (FIA), divulgada em julho, afirma que essa estratégia foi adotada por quase metade (46%) das empresas averiguadas durante a pandemia. Nesse mesmo mês, todavia, o percentual de trabalhadores em home office caiu de 12,7% para 11,7%, de acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada em setembro.
Embora a sociedade esteja vivendo o “novo normal”, 2020 está acabando, mas a pandemia ainda não. Nesse contexto, é importante saber quais as leis que seguem em vigor, suas determinações e seu histórico, inclusive, com relação ao que o coronavírus determina sobre o afastamento trabalhista de pessoas contaminadas. Então vamos lá!
O que são doenças ocupacionais
Definida pelo art. 20, da Lei n. 8.213 de 24 de julho de 1991, a doença ocupacional é caracterizada como aquela que foi desencadeada pelo exercício da profissão, isto é, o excesso ou a constância da função, atividade ou movimento, que está diretamente atrelada ao trabalho, provocou danos à saúde do colaborador. Entretanto, há duas categorias que envolvem esse tema:
1. Doenças Profissionais são aquelas que acometem diversas pessoas que têm a mesma função e estão diretamente ligadas à função exercida. Por exemplo, profissionais que trabalham durante anos com radiologia ficam com o corpo mais vulnerável, tendo possibilidade de desenvolver pneumonia ou outro problema ligado ao sistema imunológico.
2. Doenças do Trabalho são aquelas que estão relacionadas com o ambiente em que se exerce a profissão, que podem potencializar o aparecimento da patologia. Por exemplo, profissionais que trabalham por anos em escavação podem sofrer com problemas de audição, mas não é algo que vai acontecer necessariamente.
O que é classificado como acidente de trabalho
Conforme dispõe o art. 19 da Lei nº 8.213/91, vinculado à Lei Complementar nº 150/2015, “acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados (…) provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.
As doenças ocupacionais (Profissionais e do Trabalho) são consideradas acidentes de trabalho, assim como as mencionadas abaixo, retiradas na íntegra do art. 21 da Lei nº8.213/91:
- Acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de:
- Ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;
- Ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;
- Ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;
- Ato de pessoa privada do uso da razão;
- Desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior.
- Doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade.
- Acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:
- A execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;
- Na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
- Em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;
- No percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado.
§ 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
Como reportar um acidente de trabalho
A primeira ação ao acontecer um acidente de trabalho é buscar a assistência médica no socorro ao trabalhador dentro ou fora do próprio local no caso de um acidente grave, se necessário. Em seguida, é importante que haja a comunicação aos superiores da empresa, assim como das equipes do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT) e a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) para a investigação sobre as causas do acidente e para a prevenção de futuras ocorrências.
Na sequência, a Previdência Social deve ser informada sobre o acidente para a elaboração da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), que pode ser emitido pela empresa, pelo acidentado, seus dependentes ou mesmo por algum médico ou autoridade pública no primeiro dia útil após o acidente.
A emissão do documento está prevista pela Lei 8.213/91. O retorno ao trabalho deverá acontecer após receber alta. Caso seja necessário uma assistência médica constante, a empresa deverá arcar com os custos nos primeiros quinze dias de afastamento. Caso o período seja superior, o trabalhador terá direito aos benefícios do INSS.
Quem tem direito a indenização por acidente de trabalho
Os trabalhadores que sofreram um acidente de trabalho têm direito a alguns benefícios como o auxílio-doença acidentário, recolhimento de FGTS, estabilidade de 12 meses e, em alguns casos, indenizações.
Para a indenização ser concedida, o empregado deve ter sofrido algum tipo de dano material, como aqueles relacionados a gastos ou prejuízos por conta do acidente (como compra de medicamentos e tratamentos médicos). Também estão incluídos os prejuízos à capacidade de trabalho, quando o trabalhador não consegue mais desempenhar a atividade realizada antes do acidente, seja de maneira temporária ou definitiva.
Portanto, é preciso passar por uma perícia médica em ação trabalhista e ter os documentos que comprovem a doença e os danos causados. Existem ainda os danos morais (como dor e angústia) e danos estéticos, como em casos de cicatrizes ou amputações. Se houver morte, os familiares podem pedir indenização. As decisões judiciais consideram que a empregadora é culpada quando há a ocorrência do acidente ou doença, a caracterização dos danos e a relação da doença ou acidente com os danos.
Como é calculado o valor de uma indenização
A Lei 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, determinou alguns fatores para o pedido de indenização por danos extrapatrimoniais, como os danos morais ou estéticos.
O juízo levará em conta fatores como o grau de dolo ou de culpa, a intensidade do acidente, extensão e duração dos efeitos, possibilidade de superação física e psicológica, entre outros. Os danos causados podem ser de natureza leve (até três vezes o último salário do trabalhador), de natureza média (até cinco vezes), de natureza grave (até vinte vezes) e gravíssima (até 50 vezes).
No caso de falecimento, os artigos 948, 949 e 950 do Código Civil também estabelecem que, em relação aos danos materiais decorrentes de morte, lesão ou qualquer outro tipo de trabalho também deverá haver o pagamento de despesas relacionadas ao funeral e ao atendimento e fornecimento de alimentos aos filhos e dependentes, levando em conta a expectativa de vida da vítima (no caso de morte), aos tratamentos médicos e lucros cessantes, além de pensões relativas ao período de depreciação do trabalho e ao período de inabilitação do trabalho.
Como conseguir estabilidade por acidente de trabalho
A comprovação do acidente de trabalho é garantida após a elaboração do CAT, que comprova a ocorrência em até um dia útil. A empresa deverá arcar com os custos de um possível tratamento por até 15 dias. Caso o período de ausência seja maior que 15 dias e esteja comprovada a relação entre o acidente ou doença e o trabalho realizado, o trabalhador poderá requerer o auxílio doença.
Para isso, é necessária a caracterização técnica por parte da perícia médica do INSS, de acordo com a IN INSS 31/2008. Dessa maneira, ao retornar, o funcionário não pode ser demitido pelos 12 meses seguintes. Quem tiver o benefício concedido como auxílio doença comum não possui esse benefício. Porém, há casos em que o empregado, mesmo após sua demissão, consiga comprovar que o acidente ou doença foi decorrência do trabalho realizado. Dessa forma, é possível requerer o benefício via Justiça do Trabalho.
Como funciona estabilidade por acidente de trabalho
A estabilidade é garantida por até 12 meses em caso de acidente de trabalho, de acordo com o artigo 118 da Lei 8.213/1991 – a chamada Lei dos Planos de Benefícios da Benefícios Sociais. Já a súmula 378, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), assegura o direito à estabilidade para o funcionário afastado por um período superior a 15 dias e a garantia do auxílio-doença acidentário.
A estabilidade é garantida apenas para a demissão sem justa causa, sendo que a que compreende o período de 12 meses também é válida para contratos temporários ou de experiência. Já em relação ao trabalhador intermitente, não há previsão de estabilidade prevista na Reforma Trabalhista. Também tem direito à estabilidade o trabalhador que recebe o auxílio acidente, destinado àqueles que, mesmo após a alta médica, ficam com sequelas e tem sua capacidade de trabalho reduzida. Dessa maneira, ainda que ele esteja empregado e recebendo remuneração, terá direito ao benefício.
Veja matéria completa sobre acidente de trabalho em nosso blog.
COVID-19 é reconhecido como acidente de trabalho?
A classificação da covid-19 como acidente de trabalho foi amplamente discutida em diversos setores, sendo considerada e desconsiderada algumas vezes. Vale salientar aqui que será feito um breve resumo das mudanças trabalhistas realizadas do início ao fim de 2020, mas a última delas é datada de meados de dezembro.
Em 22 de março de 2020, quase um mês após a confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil e cinco dias após a primeira morte, a Medida Provisória 927 (MP 927), do Governo Federal, entrou em vigor. Entre as determinações descritas, estava a de que os casos de contaminação pelo vírus não seriam admitidos como doença ocupacional, exceto se houvesse uma causa lógica para o fato, como comprovada a infecção no ambiente profissional, ex.: a infecção de um enfermeiro. No dia 29 de abril, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu essa regra em votação majoritária. De todo modo, a MP 297 não foi convertida em lei, então toda sua estrutura foi invalidada.
Em setembro, o Ministério da Saúde publicou a Portaria 2.309/20, atualizando a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT) e incluindo a Covid-19 como doença ocupacional. Todavia, menos de 24h depois, o Governo revogou a decisão, tornando novamente válida a decisão que só classifica a covid-19 como doença ocupacional se os peritos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) afirmarem que a contaminação ocorreu em ambiente de trabalho.
No início de dezembro, o Ministério Público do Trabalho (MPT) emitiu a Nota Técnica GT COVID-19 N. 20/2020 que volta a reforçar que a infecção ocasionada pelo novo coronavírus é doença do trabalho em toda circunstância. Mas, em 14/ 12 (última atualização sobre o assunto), o Ministério da Economia, por meio da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, orientou que essa regra só é válida em caso de comprovação por perícia médica.
Um dos trechos que levam a essa interpretação é o seguinte: “pode ou não ser considerada doença ocupacional, a depender das características do caso concreto e da análise realizada pela perícia médica federal ou pelos médicos responsáveis pelos serviços de saúde das empresas”, presente na Nota Técnica SEI nº 56376/2020/ME.
Quais os direitos de quem pegou COVID-19 por não estar afastado do trabalho
Apesar das interpretações variadas de diferentes órgãos, conforme foi detalhado acima, alguns direitos trabalhistas se mantém independentemente da tomada de decisão. A Constituição Federal Brasileira, por exemplo, garante no art. 7º, inciso XXII, que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais “a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
Ainda, o art. 196 da Constituição exprime que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Partindo disso, teoricamente, o funcionário que contraiu covid-19 ao cumprir jornada de trabalho, deveria estar respaldado. Mas, de fato, quais são os direitos trabalhistas relacionados a essa circunstância?
- Indenização: o trabalhador precisará entrar na Justiça se quiser recorrer a esse direito, mas é possível. Isso porque, de acordo com a Justiça do Trabalho, “caracteriza-se como dano moral a ofensa ou violação dos bens de ordem moral de uma pessoa, tais sejam o que se referem à sua liberdade, à sua honra, à sua saúde (mental ou física), (…)”.
- Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS): se o funcionário for afastado por acidente de trabalho, tornando-se auxílio-doença acidentário, a empresa deve continuar a depositar o FGTS mensal, correspondente a 8% da remuneração do contratado.
- Estabilidade no emprego: a estabilidade é garantida por até 12 meses em caso de acidente de trabalho, de acordo com o artigo 118 da Lei 8.213/1991 – a chamada Lei dos Planos de Benefícios da Benefícios Sociais. Já a súmula 378, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), assegura o direito à estabilidade para o funcionário afastado por um período superior a 15 dias e a garantia do auxílio-doença acidentário.
Posso ser demitido após pegar COVID-19 no trabalho?
Se o trabalhador for demitido por suspeita de ter contraído coronavírus, o correto é que ele entre na Justiça para reclamar a situação, já que se caracteriza como discriminação por parte da empresa. Entretanto, se o motivo for a crise econômica causada pela pandemia, não há qualquer ilegalidade. O que o trabalhador pode fazer nesse caso é recorrer a algum sindicato.
Vale ainda lembrar que o Governo Federal, por meio da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, está sancionando medidas com o objetivo de manter o emprego e a renda dos trabalhadores mesmo em meio à pandemia, como o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm).
O BEm zela pela estabilidade, respaldo jurídico e segurança dos trabalhadores. Quem teve contrato trabalhista suspenso, por exemplo, não pode ser demitido sem justa causa ou só pode ser mandado embora após ser mantido na empresa pelo mesmo tempo que o contrato se estendeu.
O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda também permitiu que as empresas reduzissem a jornada e o salário dos funcionários em 25%, 50% ou 70% desde que os cargos fossem assegurados.
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