As relações trabalhistas são moldadas por parâmetros rigorosos, que apesar de serem flexibilizados de tempos em tempos pela legislação, permanecem com o intuito de proteger trabalhadores de abusividades cometidas por empregadores.
No Brasil, essas relações de trabalho são previstas em lei e qualquer modificação do parâmetro usual de patrão x empregado deve ser observada com bastante cautela.
É sempre bom manter em mente que as contratações mais do que meras formalizações, devem ser um reflexo do que ocorre na realidade. Logo, se houver uma relação fática de trabalho formal, independente dos malabarismos realizados nos contratos de prestação de serviço, será considerada uma relação de trabalho celetista.
Nesse sentido, é comum que o empregador, mal assessorado ou de má-fé, utilize das novidades na lei para fugir de certas obrigações trabalhistas, sem perceber que na verdade pode estar cometendo alguma irregularidade.
Neste artigo, será abordada uma relação de contratação única e atual que pode funcionar de forma legal, ou que poderá acarretar complicações gravíssimas para o empregador. Também será comentado sobre os riscos das irregularidades cometidas, a sua criminalização e quais os direitos das pessoas jurídicas envolvidas. Será essa a PEJOTIZAÇÃO.
O que é a PEJOTIZAÇÃO?
Antes de se falar sobre a pejotização, vale lembrar alguns conceitos importantes do que seria uma relação de trabalho formal pelos parâmetros estabelecidos na Consolidação das Leis Trabalhistas.
A lei determina que para a caracterização de uma relação de vínculo empregatício, deverá ser preenchido cumulativamente os seguintes requisitos: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade, subordinação e pessoa física.
A pessoalidade ocorre pela necessidade de o trabalho ser exercido pessoalmente pela pessoa empregada, sem poder ser substituído por outro, mesmo que este terceiro exerça as mesmas funções.
A não-eventualidade decorre da necessidade de o trabalhador possuir uma rotina de trabalho junto ao seu empregador, ou seja, o trabalho deve ser realizado com continuidade e habitualidade.
A onerosidade surge do pagamento sobre o labor, é a compensação pelo trabalho exercido.
Já a subordinação é caracterizada pelo estado de dependência do empregado que está sob as ordens de seu empregador. Esta subordinação é jurídica e tem haver com a estruturação hierárquica da empresa que definirá dentro do escopo de competências do empregado a sua atividade.
E, por último, a necessidade dessas atividades serem realizadas por pessoas físicas naturais. Esse último requisito surge do entendimento do legislador de proteger a parte hipossuficiente da relação de trabalho, logo não almeja resguardar os direitos de pessoas jurídicas mesmo em regimes de Microempresário Individual – MEI.
E é na quebra deste último requisito que surge a pejotização.
A pejotização é um termo utilizado pela jurisprudência e doutrina para representar uma prática fraudulenta que ocorre por parte do empregador, quando este substitui seus empregados (pessoas físicas) por pessoas jurídicas para burlar a lei, maquiando os vínculos empregatícios.
A pejotização ocorre quando, por exemplo, uma empresa de tecnologia utiliza em seu quadro de funcionários diversos empregados com carteira assinada, mas começa a demitir um por um, substituindo-os por pessoas jurídicas que prestam os mesmos serviços.
Todas essas pessoas jurídicas assumem as mesmas funções com jornadas regulares de trabalho, subordinação, sem qualquer tipo de autonomia sobre a função que exerce ou sobre o momento que ocorrerá o trabalho.
Ou seja, é um empregado formal, com um vínculo jurídico celetista maquiado por um contrato cível de prestação de serviço.
Tal prática gera benefícios altos para o empregador que deixará de pagar as verbas trabalhistas, os impostos decorrentes da relação de trabalho, maior flexibilidade no momento da rescisão de uma PJ, além de não possuir responsabilização pelas atividades exercidas pelo seu empregado.
Qual a diferença entre pejotização e terceirização?
Muitos empregadores observam a pejotização como uma forma de terceirização de seus serviços, contudo, essa concepção não poderia estar mais errada. Existem diferenças drásticas de uma modalidade de contratação para a outra, principalmente, no que tange às obrigações trabalhistas.
Na terceirização uma empresa contrata outra para que essa terceira efetue determinadas atividades. Nesse tipo de contratação, a empresa contratada não exerce o serviço com pessoalidade, ou seja, ela não faz o labor pessoalmente e, sim, seu grupo de funcionários.
Nesse tipo de relação jurídica o corpo de empregados terá uma relação jurídica com a empresa terceirizada que se responsabilizará com o pagamento das obrigações trabalhistas e terá as mesmas limitações impostas pela CLT.
Já na pejotização, a empresa contrata “o próprio dono” da empresa, pois ele será o único que efetuará as atividades, sem que a sua presença possa ser substituída pela de outra pessoa, sem qualquer das garantias impostas nas leis trabalhistas.
A pejotização é considerada crime?
Como dito anteriormente, a pejotização nada mais é do que uma maquiagem realizada para ocultar o vínculo empregatício e fazer com que o empregador obtenha vantagens econômicas por não pagar várias obrigações decorrentes da relação de trabalho.
No direito, essa maquiagem é considerada uma fraude justamente porque o empregador possui o interesse de lesar alguém e de não cumprir dever legal expressamente previsto em lei.
Para coadunar com essa ideia o Código Penal criou uma tipificação específica, considerando este um Crime Contra a Organização do Trabalho, previsto no art. 203 do Código Penal: “Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho. Pena: detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência”.
Ademais, mesmo que não seja muito comentado, também existe um paralelo entre a pejotização e o crime de sonegação fiscal, uma vez que a ausência de vínculo empregatício fará com que impostos decorrentes da relação trabalhista não sejam arrecadados pelo Estado.
No caso da sonegação fiscal, a pena imposta é de detenção de seis meses a dois anos, e multa de duas a cinco vezes sobre o valor do tributo que se deixou de arrecadar, ambas previstas na lei n° 4.729/65.
Quais os direitos da Pessoa Jurídica?
Ao direito brasileiro trabalhista é aplicado o princípio da verdade real, que é aquele que busca a primazia da realidade nas relações de trabalho. A aplicação desse princípio abre portas para o judiciário analisar caso-a-caso se a relação mantida entre empregador e pessoa jurídica é uma relação autônoma ou uma relação de trabalho formal.
Estou realmente empregado?
Como mencionado, se uma pessoa é contratada com pessoalidade, onerosidade, subordinação e habitualidade, faz surgir uma relação de trabalho que transcende o contrato que vigorava entre as partes. Ou seja, pelo princípio da verdade real, a pessoa é um empregado com todos os direitos e obrigações previstos na CLT.
Dessa forma, deve-se pedir a declaração da fraude e as verbas decorrentes de uma relação de trabalho usual, como 13° salário, férias, FGTS, INSS e todos os outros direitos trabalhistas previstos em lei.
É possível pedir indenização por danos morais?
Sim. A pejotização causa diversos transtornos para o empregado uma vez que não recebe os seus direitos trabalhistas e, por diversas vezes, é obrigado a aceitar essa forma de contratação apenas para não ser demitido.
O judiciário vem aplicando o entendimento de abuso da autoridade por parte do Empregador que, ao utilizar da sua hierarquia, faz com que o empregado se sujeite a esse panorama, ofendendo assim a sua dignidade.
Qual o valor dos danos por pejotização?
Uma vez que se obtém no judiciário a declaração de fraude na realização de pejotização, surge a necessidade de pagamento das indenizações cabíveis. A primeira a ser discutida será a de ordem trabalhista que engloba os direitos de férias, 13° salários, aviso-prévio, em caso de demissão, entre outros direitos trabalhistas que podem ser requeridos em uma reclamação.
Ademais, é possível requerer os danos morais pela ausência dos pagamentos de direitos trabalhistas, pelos atrasos, pela coação na obrigação de saída do vínculo celetista para começar a prestar serviço por meio de uma pessoa jurídica. São vários fatores que afetam a dignidade do trabalhador e que repercutem na sua esfera extrapatrimonial.
Os valores de indenização de danos morais dependem muito da capacidade financeira de empregados e empregadores, o período em que o empregado ficou sem receber as suas verbas, as circunstâncias do fato, por isso a indenização precisa ser observada caso a caso.
Não se pode deixar de lado também os danos de natureza tributária cuja multa poderá alcançar valores de duas a cinco vezes o valor do tributo que se deixou de arrecadar.
Quais as consequências da pejotização?
A pejotização quando considerado um ato ilícito da empresa poderá ter consequências financeiras nefastas. Primeiramente, deverão ser ressarcidos os funcionários lesados na realização da fraude, o que, por si só, gera uma enorme dívida trabalhista que terá de ser suprida.
Depois, deverão ser consideradas as consequências legais criminais que poderá gerar pena de detenção, ressarcimento e multa daquilo que se deixou de pagar.
Vale mencionar que as dívidas trabalhistas poderão alcançar não apenas o capital disponível pela empresa como também alcançar o capital dos seus sócios, o chamado desconsideração da pessoa jurídica.
O que é MEI?
MEI é uma figura jurídica criada para legalizar a atividade profissional de autônomos, uma vez que no exercício de suas funções não existe uma relação de trabalho formal, mas apenas uma atividade desenvolvida por conta própria.
A MEI é a principal pessoa jurídica contratada na realização da pejotização, porque a figura da pessoa jurídica se confunde com a do proprietário, ou seja, o dono da empresa é o mesmo que exerce a atividade para a qual é contratado, fazendo surgir a pessoalidade inerente às relações de trabalho formais.
Riscos da pejotização para quem é MEI
A MEI, ao prestar serviço para as empresas, não recebe os benefícios de um trabalhador com a carteira assinada, isso porque a CLT vale apenas para pessoas físicas. A MEI receberá apenas o estipulado no contrato, mesmo que preste os serviços como um funcionário comum.
Além disso, a MEI é a única que sofre os riscos do negócio que pratica, mesmo não auferindo os lucros que as empresas ganham com a sua força de trabalho. Podendo ser demitida a qualquer momento sem qualquer compensação, se o contrato não estipular multas de rescisão ou outros aparatos legais que evitem o dano unilateral da PJ contratada.
Por último, pode-se citar a logística que a MEI precisa fazer para se manter em dia com as suas obrigações legais. Ou seja, além de exercer as suas funções na prestação de serviço, precisa realizar o administrativo da empresa e todas as burocracias inerentes a esta.
Quais são os direitos do MEI na pejotização?
Ao ser declarada a ilegalidade no vínculo entre MEI e empregador, o microempresário terá o direito de receber todas as verbas trabalhistas desde o período que começou a prestar o serviço, respeitando o limite da prescrição de 5 anos. Também poderá receber uma indenização por danos morais pelos transtornos que sofreu no não recebimento de suas verbas ou até mesmo pela coação do empregador para aceitar a mudança de seu regime de trabalho como pessoa jurídica.